O primeiro parto foi lindo. Tão lindo. Especialmente lindo
porque foi um parto que venceu muitas adversidades para ser, um parto que escapou
de ser cesárea trocentas vezes, um parto que me trouxe Helena, minha filhota maravilhosa,
plenamente saudável depois de uma indução por pré-eclâmpsia com 41 semanas e 3
dias.
Mas agora vinha um novo parto e eu queria experimentar mais
do parir em si. Queria descobrir o que é entrar em trabalho de parto sozinha.
Queria sentir contrações naturais, sem ocitocina, sem misoprostol. Queria parir
na minha casa, no aconchego do meu lar, com a minha filha junto de mim, não só
meu marido, ou só minha doula.
Mas, lá pelas 28 semanas, fui diagnosticada com diabetes
gestacional, reacendendo o medo do problema que só aparece no final. O trauma
da pré-eclâmpsia da gestação passada, os fantasmas, as sombras. As duas
gestações não poderiam ter sido mais diferentes – claro, pois se são crianças
diferentes – e ainda assim, por algum motivo, eu comecei a acreditar que esta teria
o mesmo desfecho daquela em termos de medo, tensão, indução.
Respirei fundo, pesquisei, vi quais eram os riscos
relacionados – parto prematuro, infecção urinária, dentre outras, bebê grande
demais para idade gestacional, hipoglicemia pós-parto no bebê – me acalmei, comecei
a fazer exercícios, montei uma dieta. Comprei um glicosímetro e vi que minha
glicemia já estava normalizada. Parteira e maridão votaram que estava tranquilo
para prosseguirmos com nossos planos. Eu senti que estava tranquilo também e
relaxo... até ir numa nutróloga.
Eu não queria ir, meu marido também achava besteira, mas ela
veio tão bem indicada! E eu queria fazer tudo o que pudesse, queria ter certeza
de que estava cuidando disso o melhor possível, que estava dando tudo de mim.
Era cara, ainda por cima, não aceitava convênio; mas ela deu um desconto e nós
fomos.
Ela já abriu nossa conversa me dizendo que “Diabetes
gestacional é uma doença para a vida inteira”. Hum. Engraçado, então, ela se
chamar “GESTACIONAL”. Mas ok, respirei fundo, presumi que ela estivesse se
referindo ao risco de eventualmente desenvolver diabetes tipo 2.
Ela me passou uma dieta sem macarrão, arroz, batata, etc.
(nem mesmo versões integrais), apesar de ter açúcar mascavo, por exemplo, e
começar o dia com iogurte e frutas (porque para ela iogurte não tem
carboidrato, nem causa pico de insulina por conta da lactose, ao contrário do
que diziam as fontes que eu havia pesquisado). E ela não levava em consideração
o índice glicêmico dos alimentos; aparentemente a preocupação central era a
quantidade de calorias.
Eu, que em minhas pesquisas havia encontrado muita ênfase em
se manter um mínimo calórico, especialmente advindo de carboidratos, e em se
evitar a hipoglicemia, estranhei, e perguntei a respeito. Ela me respondeu
apontando para mim e dizendo “você há de convir comigo que você tem reserva”.
A-ham. Tenho. Gordura corporal e carboidratos são a mesma coisa. Aparentemente
ela interpretou meus questionamentos como mimimi de gorda (“não quero abrir mão
de comer”). Ah, como eu adoro gordofobia... só que não.
Eu quis mostrar as tabelas que eu tinha feito, a dieta que
eu havia montado, meus diários alimentares com as glicemias (todas ótimas) que
havia medido. Ela não quis nem ver, a despeito de estar dando resultado, e prescreveu
uma série de exames, me garantindo que daria tudo alterado, que eu ia ver, que
não era para eu me deixar levar pelo glicosímetro.
Eu fiquei entre mandá-la à merda ou acreditar no que ela
estava falando. Mas ela era fofa. Me consolou quando comecei a chorar de
preocupação. Me disse (e isso sim com muita razão) para eu parar com as
tabelas, para não ficar picando o dedo compulsivamente. Estes foram, hoje
confesso, os únicos conselhos dela que eu realmente segui.
Entrei tranquila e saí desesperada. Parece loucura, mas é
como acontece com o médico cesarista ou intervencionista: por mais que você
tenha pesquisado você mesma, por mais que você conheça os argumentos, os
mecanismos, etc., você entra no consultório da pessoa e todas as suas certezas
viram dúvidas. É como se, porta adentro, estivesse uma outra dimensão, um mundo
ao contrário, um “Bizarro World”.
É muito difícil resistir ao terrorismo do “risco para o seu
bebê”. E o Igor indignado, dizendo que aquilo era tudo besteira, que deveríamos
ter mandado a mulher catar coquinho e ido embora (e isso que ele nem presenciou
a cena da “reserva”, porque a Helena estava agitada e ele saiu com ela da sala
antes de ela ocorrer).
Foi então que me veio a luz de procurar a minha tia Sonia,
médica, especialista em pâncreas e vesículas biliares. Ela, que nem está
habituada a lidar com diabetes gestacional especificamente, estudou um monte a
questão, me indicou pesquisas, me orientou, me apoiou. Me tranquilizou. Foi
como um sopro de sanidade em meio a um arroubo de loucura.
Então respirei fundo e continuei fazendo o que já estava
fazendo. E fiz os exames que a nutróloga prescreveu – e, olha só que coisa, os
resultados não só foram bons, foram excelentes. Não é que não havia alteração,
simplesmente, não é que meu diabetes estava compensado, simplesmente. É que,
olhando aqueles resultados (taxa de insulina, hemoglobina glicosilada, etc.),
ninguém jamais diria que eu tinha o tal do diabetes. Toma!
Com 38 semanas, a médica do plano B (Mariana Simões, que foi
quem acompanhou o parto da Helena, uma indução muito bem conduzida), com quem
fiz metade do pré-natal, falou que a conduta dela seria descolar a bolsa com 40
semanas. Fiquei chocada. O motivo era o diabetes.
Ah, esse diabetes. A minha glicemia estava controlada, mas existia
um risco de morte intraútero por hipoglicemia fetal a partir das 40 semanas.
Estranhei que não tivesse encontrado nada a respeito nas minhas próprias
pesquisas e imaginei que fosse algo muito raro... mas, se era raro, então
porque a pressa?
Falei com a minha parteira (Ana Cristina Duarte). Ela me
disse que o risco era de um para duzentos. Chegou a mencionar que, por conta do
meu histórico de pré-eclâmpsia, talvez fosse interessante descolar mesmo. Dei
mais uma pesquisada. Segundo a Mari, o risco independia de o diabetes estar
compensado ou não. Daí fiquei me perguntando: e como saber, em todos os casos,
se a mãe estava com o diabetes devidamente compensado? Alguém acompanhou a
dieta de todas as gestantes no grupo de estudo? Pô, no meu caso, não tinha
necessidade de insulina, mal dava para ver alteração na minha glicemia, eu
estava fazendo tudo certinho, estava sentindo pressões no assoalho pélvico,
contrações diferentes, me deliciando com todo aquele processo, todas aquelas
sensações novas. Não queria interferir naquilo.
Me veio a sensação de perseguição cósmica, de “sempre dá
merda na minha vez”. Essa era a minha oportunidade de encarar minha frustração
de frente. Pedi colo para o marido, para a doula e para outras mães e gestantes
e amigas virtuais.
De acordo com os nossos planos, esta seria minha última
chance de vivenciar um parto natural. Senti em toda a sua plenitude o meu medo
dessa perda... e encontrei a minha culpa por querer desta vez algo diferente,
como se querer diferente fosse negar a beleza do que já foi. E percebi o quanto
isso remetia ao meu medo de não saber amar duas crianças ao mesmo tempo, ou de
que elas não se sentissem suficientemente amadas por mim, de que a Helena se
sentisse preterida, de não dar conta de ter dois filhos, de lidar com a
diversidade e individualidade deles.
Fui sendo doulada via facebook por tantas mulheres
extraordinárias, e fui parindo minhas angústias, meus anseios e receios. E me
decidi a não descolar. Pelo menos não ainda. Com 40 semanas, fiz uma consulta com
a Ana Cris, que fez um toque e viu que o colo estava macio e mediano. Me
animei.
Na véspera da minha consulta de pré-natal seguinte, 4 dias
depois da consulta com a Ana Cris, escrevi um termo isentando a Mari de
qualquer responsabilidade ligada à minha decisão de não descolar a minha bolsa
naquele momento. Pode ter sido só coincidência, mas, ao escrever o termo, já
senti que algo em mim estava mudando, como que se dissolvendo.
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Acordo no dia seguinte, sabendo que vai rolar. Eu
simplesmente sei. Ou talvez quisesse tanto que tenha feito acontecer. Não faz
diferença.
Antes de sair de casa, ligo para a minha irmã Saiuri, que
combinou de vir ficar conosco para ajudar com a Helena. Trabalho de parto? Me
perguntam. Diante da pressão, com medo de estar errada, de estar gritando lobo,
digo que não, mas que acho que algo está acontecendo.
Saímos, vamos à médica, damos uma geral, tudo em ordem.
Deixamos encaminhados pedidos de ultrassom, cardiotoco, agendamos a próxima
consulta, passamos na Unimed para validar os pedidos – e o tempo todo sentindo
que tudo aquilo será desnecessário.
Almoçamos com minha mãe e minha irmã, que daí já vai embora
com a gente. E durante tudo isso a minha barriga endurecendo e soltando,
endurecendo e soltando com contrações fortes, mas não dolorosas. Sinto uma
pressão e daí uma sensação de me abrir que é... gostosa, agradável mesmo.
Começo a me sentir leve, contente, feliz... flutuante.
Chegamos em casa e eu com muito, muito sono, me encosto para
dormir, mas parece que não saio daquela fase em que a gente fica vendo um monte
de coisa nada a ver passando na cabeça. Ouço lá fora a Helena brincando com a
minha irmã, e o Igor às vezes falando alguma coisa, e meu coração se enche de
ternura com aqueles sons, com a sensação de casa cheia de gente que gosta da
gente, cheia de gente de quem a gente gosta.
Lá pelas tantas eu acordo, me sento no escuro e fico
curtindo aquele momento, perdida em mim, na sensação de estar presente no
presente. Horas se passam, mas parecem minutos. E minha barriga se contrai e se
solta, se contrai e se solta, como um coração que bate em câmera lenta, eu me
abrindo, me abrindo, me abrindo... parece que minha cabeça tem um furo em cima
e tem um facho de luz chegando nela e me atravessando. Louco, né?
Igor aparece e me pergunta se não seria o caso de chamar a
doula, Dorothe Kolkena. Hesito. Estou tendo contrações, mas sem dor, quase. De
vez em quando um pouquinho só. Tenho medo de chamar e passar vergonha, de não
ser nada, de incomodar à toa...
Resolvemos ligar para a Dorothe. Registro a frequência das
contrações – meio irregulares, mas acontecendo em cerca de 10 em 10 minutos.
Falo com ela, digo que não sei se é ou não é, que tenho
receio de que ela venha e não seja nada... ela me convence dizendo que vem e,
se não for nada mesmo, volta para casa, que faz parte, que é melhor ela vir e
não ser nada do que ela não vir e o Heitor nascer sem ela por aqui. Doula.
<3
Resolvemos pintar a minha barriga “enquanto é tempo”, e
Dorothe chega (já de mala e cuia!) enquanto minha irmã e a Helena estão me
colorindo. Fica um clima muito gostoso, de intimidade, à meia-luz. Vamos
conversando, com a doula me observando. Ao fundo, ouço Igor limpando a casa
freneticamente, superfofinho. Dorothe diz que é muito comum, que é a forma de
muitos homens lidarem com esse momento, querem fazer alguma coisa, se sentir
úteis. As contrações começam a ficar doloridas. Ela resolve passar a noite e
ficamos conversando até de madrugada.
Consigo dormir, mas vou sendo acordada pelas contrações, que
ficam bem mais fortes. Resolvo ficar numa poltrona, estando sentada elas doem
menos.
As pessoas acordam de manhã e voltamos a conversar, como se
ainda estivéssemos no dia anterior. Dorothe terapeuta, hahaha, me ouvindo falar
de tudo o que vem na cabeça. Tipo livre-associação. Ficamos ao redor da mesa da
sala, beliscando comidinhas, Helena correndo, brincando, pintando o sete.
Cansada, resolvo dormir um pouquinho e me encaminho para a
poltrona. Vou dormindo e acordando com as contrações, não sei quanto tempo fico
nisso. Lá pelas 15h30, no meio de uma contração particularmente puxada, rola um
“PLOC!” e lá vem água. Mas pouquinha água. Será que é, será que não é... vou ao
banheiro e tenho uma contração fortíssima. Levanto e vem outra. E aparece o
tampão. E mais outra contração. Dorothe liga para a parteira, Ana Cristina
Duarte, e para a pediatra, Ana Paula Caldas. Ela já tinha dado um toque antes, mas
essa foi A ligação. Eu não ouvi as palavras, mas lembro do tom da voz. Lembro da
sensação. O bicho começa a pegar muito rápido e em breve eu nem escuto mais nada.
Tenho a sensação de que isso vai ser muito, muito rápido
mesmo. Subo na cama, de quatro, me dão travesseiros para me apoiar. Falo para o
Igor correr encher a banheira.
Dorothe me faz massagens (ai, que coisa boa!), me coloca
compressa de água quente, vai me ajudando a lidar com as contrações, me
lembrando de relaxar, me soltar, deixar vir.
Vem uma contração monstro e me bate o pânico. Medo de parir,
medo de ninguém chegar, medo de ficar sozinha, toda a sensação de abandono, de
desamparo que já vivi na minha vida canalizada ali, naquele momento; sinto meu
rosto esfriar, o suor porejar.
Respiro fundo, espero a contração passar, tento não me
descontrolar, vou vocalizando, respirando. Quando passa a contração tenho tempo
de falar a respeito, verbalizar, com o Igor, com a Dorothe. Daí Helena aparece,
sorri para mim “oi, mamaiiiiin!”, segura meu rosto com as mãozinhas, esfrega o
narizinho no meu, me beija. Tenho tempo ainda de sorrir e falar “te amo” para
ela antes de a contração me calar. Quero transmitir serenidade e segurança para
ela, mas é difícil fazer isso e ao mesmo tempo me concentrar em mim. Começo a
me preocupar com ela, mas Saiuri logo aparece e a leva para brincar, se
distrair. Grata, tão grata pela presença da minha irmã!
Medo de fazer cocô ali, na cama. Dorothe coloca um lençol
descartável embaixo de mim e fala “pronto! Agora você não precisa mais se
preocupar com isso.” E eu paro de me preocupar com isso. Tenho a sensação de que
é uma corrida de obstáculos e, toda vez que me aproximo de um e me assusto, eu
chamo e ela corre e o remove para mim.
Vem mais uma contração forte e, com ela, uma coisa que me
pareceu, a princípio, vontade de gritar, de chorar... mas que, quando eu
soltei, pronta para me descabelar, na verdade era um puxo, uma vontadezinha de
empurrar, só que leve. Aviso à Dorothe que estou começando a sentir vontade de
empurrar.
Acho que ela ligou para a Ana Cris. Quero entrar na
banheira. Quero entrar na banheira. Quero entrar na banheira. Dorothe, posso
entrar na banheira? Pode. Já estou lá dentro, antes que alguém mude de ideia. =)
Água quente, quente, quente. Me dá um minutinho só a mais de
descanso até a próxima contração mas era desse minutinho que eu precisava para
me reagrupar. As contrações começam a vir mais e mais intensas, com mais e mais
vontade de empurrar. Tem uma hora em que estou sozinha na banheira, não tem
mais ninguém ali. Tenho vontade de mandar todo mundo embora e falar que “olha,
pensando bem, não vai rolar hoje, ok? Show cancelado” e daí tenho vontade de
rir do absurdo daquilo. Vem outra contração. Já não tem mais posição para mim.
Igor aparece e entra atrás de mim. Que coisa boa, ele ali, me segurando.
Dorothe agora está na minha frente, em algum momento fez um toque, falou para
eu ficar tranquila, falou para esperar se puder, porque ainda tinha um pouco de
colo. Ouviu o coração dele. O tempo todo, todinho, Heitor se mexeu muito entre
as contrações, então tivemos que fazer muito pouco dessa monitoração, acho que
me lembro só de umas duas, três vezes.
Helena aparece, entra atrás de mim, fica com o Igor um pouco.
Eu estou feliz de ela estar ali, mas daí começo a ter contrações e tenho medo
de assustá-la, não consigo me concentrar. Igor explica para ela “mamãe está com
dor, precisa se concentrar agora. Você pode por favor ir com a tia Saiuri
brincar e depois voltar?” Helena aquiesce na hora. Me beija e me abraça antes
de sair “ta-tau!” e lá se foi ela. Alguma coisa no meu peito se aperta ao vê-la
ir, tão pequena e tão grande ao mesmo tempo.
Imediatamente as contrações se intensificam, os puxos
começam a ficar quase insuportáveis. Eu tenho que empurrar. Eu tenho. Só um
pouquinho, quem sabe... mas eu empurro um pouquinho e sinto o Heitor descer.
Não sei se falei para alguém.
Dorothe está correndo para lá e para cá, atendendo o
telefone, ensinando o caminho, deixando a porta aberta para não ter que sair
correndo depois, o Igor de dentro da banheira avisando por telefone o porteiro
que é para deixar as Anas subirem assim que chegarem... e eu já sei que não vai
dar tempo, que não tem como dar tempo, que está acontecendo muito, muito
rápido, e ainda assim duvido, não parece verdade, não parece que vai mesmo
acontecer, parece que eu estou sonhando.
Dorothe me aconselha uma posição, mas eu viro, não entendo,
tento ficar de quatro, não pode, mas por que não, choramingo, ela pede
desculpas, mas ela precisa conseguir ver, ela não é parteira, hahaha, eu me
torço, estou cansada, viro, me rendo, deixo vir. Vem mais uma contração e mais
um puxo e vamos que vamos porque já não dá para não ir, e eu sinto ele
descendo, descendo, tudo se esticando, se abrindo e penso “vou rasgar, é muito
rápido isso, eu tenho que segurar a onda” mas é mais forte que eu, é muito
difícil segurar, é irresistível e eu me agarro no Igor no meio dessa aflição e
vem outra contração e eu empurro e meu quadril levanta e roda para cá e para lá
e a Dorothe me aconselha a ir devagar e eu tento dar uma segurada e sinto o
bebê voltar, como se estivesse escorregando de volta para dentro e me desespero
“não volta!” e ele próprio parece me entender, me enfia os pés no fundo do útero,
lutando para sair e eu coloco a mão sobre o meu clitóris, tentando aparar
aquela força toda, a minha mais a dele, e sinto a cabecinha dele ali, querendo
sair, vem mais uma contração e daí a cabeça sai – ALÍVIO – mais um puxo (ouço a
porta da cozinha bater e sei que a Ana Cris chegou) e saem os ombros – MAIS
ALÍVIO – e daí sai o resto do corpinho – AAAAAAH... QUE COISA BOA.
17h19. Menos de duas horas de trabalho de parto ativo. Dia 15 de outubro de 2013.
Olho meu filho na água, sem acreditar que já acabou,
Dorothe, doula-parteira, me ajuda a pegar o menino que já se vira para mim, me
olha nos olhos, estica a mãozinha para me alcançar, querendo chorar, mas ainda
cuspindo muito líquido, e o Igor está em volta de mim e estamos em êxtase.
Conseguimos. Fizemos mais uma pessoinha. E a Ana Cris está ali sorrindo,
dizendo “eu sabia que você ia fazer isso comigo, mulher”, e a Ana Paula chega e
está tudo bem mesmo, estamos todos juntos e tem mais uma criança na casa.
Saímos da banheira, deito na cama com a cria para Ana Cris
me examinar – nenhuma laceração, coisa boa! Sangue quase nenhum – “parece
montagem” elas dizem sorrindo. Que bom. Que bom.
Penso na Helena e ela aparece de volta, como se conjurada
pelo meu pensamento. Toda curiosa com o bebê que agora já não está mais “dentu
baíga mamain”. Sobe na cama e parece, a princípio, desconfiada. Apresento os dois,
mas ela resolve que agora não é o melhor momento e sai para brincar com... uma
matrioshka (aquela boneca russa de madeira que contém miniaturas de si uma
dentro da outra).
Retorna apenas alguns minutos mais tarde. Ela e o irmão se
olham fixamente por muito tempo, um momento de ternura inexplicável
(imprinting, acho que foi a Ana Paula quem falou), mas eu tenho que me recostar
para a dequitação; tivemos que interrompê-los. A placenta sai (mais um alívio)
e a Helena fica ali, olhando, intrigada com aquele treco estranho.
Me perguntam o que quero fazer com a placenta, e digo que eu
enterraria, mas não tenho um pedaço de chão para isso. Ana Paula diz que tem,
que se eu quiser ela enterra para mim, e eu aceito, muito grata. <3
Elas se juntam, me trocam, fazem a faxina, e eu me encosto
ali, bebezinho pequeno num peito, bebezinho grande no outro. Meu primeiro
momento de amamentação em tandem. Tiramos fotos várias.
Helena sai de novo para brincar; eu fico ali, me aninho com
o pequeno e descanso um pouco, mais uma vez presente no presente, curtindo
aquela atmosfera linda, ouvindo as vozes que vêm da sala, os risos, os
passinhos da minha filha correndo para cá e para lá animadamente.
Passo um tempo saboreando aquilo, Igor me traz doces (que eu
finalmente posso comer – nunca houve bolo de padaria mais saboroso, juro) daí
peço para já pesarmos e vestirmos o Heitor – coisa que Ana Paula faz com um
carinho que esquenta o coração já ocitocinado da gente.
Filmamos a pesagem: 3,600kg de pessoa. Maior que a Helena
quando nasceu, mas parece tão pequenininho, tão levinho para quem já se
habituou a um “bebê” de 13kg...
Saímos do quarto, eu e ele, para nos misturarmos à
baguncinha gostosa lá na sala e ficamos ali, brincando e papeando com todo
mundo, nossa família e três bruxas maravilhosas, gargalhando na penumbra.
Nem parecia que coisa de duas horas atrás esse menino ainda
não existia fora de mim.
Ainda sobrou tempo e disposição para tomar um bom banho
antes de me deitar, limpinha, cheirosa e parida, entre meus filhotes e meu
marido.
***
Agradeço ao Igor por mais uma coprodução bem-sucedida, e
pela linda e essencial participação na hora de entregar ao mundo de mais um
bebezinho fofo e cativante desde o primeiro olhar. Dá até peninha de fechar a
fábrica. Ah, e a faxina também ficou bem boa. ;)
Agradeço à minha tia por todo o apoio e carinho desde
sempre. =´)
Agradeço à minha irmã por me proporcionar a tranquilidade de
que eu precisava para poder parir à vontade, uma ajuda inestimável que me
deixará para sempre em débito.
Agradeço à minha doula, Dorothe, pelas mãos que me ampararam
e os olhos que me encontraram.
Agradeço à minha parteira, Ana Cris, por ter sido para mim
tudo o que eu sempre esperei que ela fosse, desde a primeira consulta.
Agradeço à minha pediatra neonatologista, Ana Paula Caldas,
por mais uma vez possibilitar à minha cria uma recepção carinhosa, amistosa, de
boas-vindas de fato.
Agradeço àzamiga índia do face, em especial Alessandra
Caprara, que me acolheram e me apoiaram nos momentos mais difíceis desta
gestação e me deram forças para seguir minha intuição.
Letícia,
ResponderExcluirCheguei no seu blog através do blog da Lola.
Adorei 2 comentários que você deixou no ultimo post , falando sobre o significado de empatia.
Você me daria permissão para reproduzir seus comentários no meu blog dando os créditos a você ?? Beijos
Claro! Seria uma honra, obrigada!
Excluirbeijos
Relato fantástico. Uma experiência que deve ser repassada para outras mães que ainda relutam em fazer o parto natural. Parabéns, Leticia, Igor, Helena e agora o Heitor. Felicidades para todos.
ResponderExcluirObrigada mais uma vez, Edison!
Excluir